sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

VOCÊ BEIJOU SUA MULHER HOJE NO CAFÉ DA MANHÃ?

A propaganda na TV alimenta sonhos de consumo e satisfaçao
  










Quando nós rapazes tínhamos 16 ou 18 anos, preocupava-nos saber se podíamos apresentar namoradas às nossas mães. Hoje preocupa-nos saber se podemos apresentar namoradas às nossas filhas. Longe de significar apenas que ficamos mais velhos, isto significa principalmente que a sociedade mudou. 
   A comunicação acompanhou esta mudança de forma tradicional. Historicamente quem sempre primeiro acolheu ao seu conteúdo os novos formatos e comportamentos sociais foi a literatura. Em seguida o teatro, depois o cinema e finalmente a televisão. 

  Compreensivelmente quanto maior o alcance do meio de comunicação maior a resistência à incorporação da realidade. Isto porque a grande maioria da sociedade não quer ver o que está literalmente nas ruas, nas casas, nas escolas.  Mas um dia tudo que é novo chega até a sala de jantar. 

   Na propaganda inserida na televisão, meio de vasto alcance de massa, nada mudou. Para a propaganda brasileira não existe homossexualismo, aborto, casamento aberto, separação, mãe solteira, mulher desquitada, segunda família, nada disso. Em propaganda todos são heteros, monogâmicos, férteis e fiéis. Além de bonitos e felizes, é claro. 

   Até aí tudo bem. A propaganda respeita a opinião, não importa se falsa ou verdadeira, da maioria. Mas não é estranho ver a clássica família feliz que consome margarina num intervalo comercial da  novela das oito? Porque nestas cândidas novelas um casal é formado por três ou quatro pessoas, sexo pode ser feito na sala de jantar -usando margarina, inclusive- com quem chegar primeiro, heróis e heroínas são sanguinários, perversos ou drag queens em êxtase. 

   Será que a família brasileira sai da sala quando acabam os comerciais e começa a novela?  Dificilmente. 

    É certo que a propaganda alimenta sonhos de consumo, realização e satisfação. Portanto não dá pra mostrar nos 30" destinados a isso, um casal trocando tapas porque ela quer uma lavadora de louças e ele acha isso uma idiotice. Mas também não é necessário mostrar estes dois numa nova lua de mel, enquanto o aparelho além de desempenhar suas funções, salva um casamento. 

   Há que se encontrar uma linguagem que não elimine o sonho, mas que não seja apenas o sonho. Se o Papa aparecer num comercial anunciando o Céu e no final convidar  "conheça o modelo decorado em nossos stands de venda", pouca gente se motivará a andar até a igreja mais próxima. 

   Certa vez eu escrevi num texto de um anúncio imobiliário vendendo apartamentos quarto-e-sala que "o futuro de nossos filhos inclui o fato de um dia eles saírem de casa". Quase apanhei da diretoria do anunciante. Na propaganda deles filhos não saem de casa. No máximo "montam o seu próprio lar".  No roteiro de um comercial para o Dia das Mães cometi a afirmativa de que "a mãe da gente sempre quebrou o galho na hora do trocado pra uma cervejinha." Outra ameaça de linchamento. Em propaganda mães jamais patrocinam um copo sequer de cerveja para seus filhos. Se for uma tigela de vitamina com aveia, sim. 

    A grande questão é: será que o puritanismo publicitário convence?  Será que a felicidade de uma família linda que corre na beira do mar ao por do sol porque comprou um apartamento reflete a realidade de quem precisacomprar um imóvel? Será que o consumidor acredita nestas historinhas tipo Lagoa Azul que a propaganda insiste em inventar? Dificilmente. 

   Ao menos a indústria automobilística parece ter percebido que o macho motorista brasileiro fica mais motivado a comprar um novo modelo pela insinuação de que com ele pode comer mais mulheres que pela informação sobre a suspensão autoregulável trapezoidal em tungstênio.  Quem assistiu ao filme Um Asilo Muito Louco sabe do que eu estou falando. 

    Resumindo o questionamento: ninguém liga a TV ou rádio, nem compra um jornal ou revista para ver propaganda. Ela invade o que você efetivamente está vendo. Por isto a propaganda praticada nos Estados Unidos, onde ela foi inventada e codificada como técnica, se divide em duas correntes que apontam os caminhos para fazê-la notar-se. 

     A primeira recomenda que os anúncios se misturem com a matéria ou a programação, mantendo padrões estéticos e conceituais semelhantes, para provocar uma atenção quase que natural. A outra escola defende a propaganda que salta do contexto, chamando a atenção pelo inusitado. 

     Nós brasileiros já fizemos isso mas agora estamos praticando a propaganda "nem lá nem cá". Muito diferente da realidade que nos envolve, por sua alienação. Muito distante de saltar aos olhos, exceto quando pelo mau gosto.

  As pessoas saem do cinema irritadas ou frustradas, chamando de "água com açúcar" um filme certinho, de personagens politicamente corretinhos e finalzinho feliz. Elas saem satisfeitas quando identifica na tela cortes da vida real que se aplicariam à sua própria vida ou aos seus sonhos. Este público é o mesmo que assiste os comerciais de TV. Quem está falando melhor com ele: o cinema ou a propaganda ? Parece-me que é o cinema. 

     Enquanto isto acontece os comerciais da telinha seguem mostrando uma vida irreal para consumidores de verdade, que imediatamente trocam de canal, procurando nos filmes e nas novelas a identificação com o mundo que os cerca.  Viva portanto o merchandising que coloca produtos dentro da realidade e que dá picos de audiência.

Marco Gavazza

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