segunda-feira, 27 de abril de 2009

Comentário de Ricardo Noblat


A aposta de Dilma

O tempo não para, cantou Cazuza. E na política, ele até mesmo acelera em certas ocasiões.

Por respeito à ministra Dilma Rousseff, e também por uma questão de estratégia, o governo jamais admitirá que examina alternativas ao nome dela para a sucessão de Lula. Mas no mínimo seria imprudente se não começasse a fazê-lo em breve ou desde já.

A política é o exercício permanente do pragmatismo. Emoção serve em determinados momentos para ganhar eleições. Governa melhor quem deixa os sentimentos de lado.

Foi o que fez Lula, por exemplo, quando despachou da Casa Civil o arquiteto de sua campanha vitoriosa, José Dirceu. Com isso livrou-se do fantasma do escândalo do mensalão.

Foi o que Lula tornou a fazer ao demitir do Ministério da Fazenda o todo-poderoso Antonio Palocci, o ex-coordenador de sua campanha.

Palocci enrascou-se com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa – aquele que disse tê-lo visto em uma mansão suspeita do Lago Sul de Brasília na companhia de amigas e antigos assessores.

Ao saber que havia sido descoberto um tumor com pouco mais de dois centímetros debaixo de sua axila esquerda, Dilma se viu diante de dois tipos de aposta.

A simples: empenhar todas as suas fichas na cura do câncer que a surpreendeu. A aposta dupla: dividir as fichas entre a cura do câncer e a manutenção de sua candidatura a presidente em 2010.

A aposta simples obrigaria Dilma a concentrar suas energias na dura tarefa de se recuperar – e em mais nada. Talvez não fosse preciso se licenciar do cargo. Mas ela deveria reduzir, sim, seu ritmo de trabalho.

Como reduzi-lo sem abdicar da função de primeira-ministra e sem deixar de desfilar por aí como candidata? Câncer e estresse são parentes próximos.

Dilma preferiu dividir suas fichas, escrava que é da figura pública que criou para si mesma – a de mulher valente, que não desiste da luta, que sofre, apanha, é torturada, mas segue em frente.

A imagem não é falsa. Nada tem a ver com truque de marqueteiros. Dilma está disposta a travar duas grandes batalhas simultâneas: derrotar o câncer e vencer a eleição.

Há uma torcida coletiva para que se recupere a tempo de concorrer sem restrições à próxima eleição presidencial.

Isso não impede os políticos, porém, de avaliar as conseqüências do fato produzido pela ministra e pelos médicos durante a entrevista coletiva concedida no último sábado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Linfoma é o câncer do sistema linfático – a rede de vasos que fazem parte do sistema imunológico do corpo humano. A biópsia revelou que o de Dilma era um linfoma agressivo (alto grau e velocidade de desenvolvimento).

O maior número de reincidências acontece até dois anos após o término do tratamento.

Tecnicamente, alguém só pode ser considerado curado de um câncer depois de passar cinco anos sem apresentar nenhum sintoma dele.

Nada mais natural, pois, do que as perguntas que passaram a ser sussurradas por políticos do PT e dos demais partidos: devemos nos arriscar a disputar uma eleição tão difícil com uma candidata cuja saúde pode inspirar cuidados? Nesse caso, quem será o vice de Dilma? E se ela não disputar quem será o candidato?

Tem mais: até final de agosto, pelo menos, Dilma se submeterá a longas sessões de quimioterapia. A primeira já ocorreu quando a doença ainda não fora revelada.

Como durante período tão penoso discutir política com ela e avançar na costura de compromissos? Tudo ficará em suspenso durante quatro meses ou mais?

Parecem perguntas de mau gosto. Parece de mau gosto escrever a respeito.

Mas é impossível ignorar que o estado de saúde de Dilma estará no centro de todos os lances políticos a serem jogados ou revistos daqui para frente de olho na sucessão de Lula.

Aumentaram o cacife e as dúvidas dos partidos aliados do PT. Das artes, definitivamente a política não é a mais bonita de se apreciar.

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