segunda-feira, 15 de março de 2010

Não Contem Com o Fim do Livro
















Foto: Andrea Barbiroli/AE

José Mion

Por ser apaixonado por livros, não é de se espantar o fato do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco ter aceitado um convite para discutir a perenidade da obra em papel em Não Contem Com o Fim do Livro. Ao lado do bibliófilo, escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, Eco, que tem uma coleção que beira os 50 mil volumes, conclui que, assim como a roda, o livro é uma invenção já consolidada. Segundo ele, mesmo as revoluções tecnológicas não o detiveram até hoje.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o autor do best-seller O Nome da Rosa declarou que o desaparecimento do livro não passa de uma obsessão dos jornalistas. “Me perguntam isso [se o livro não está condenado] há 15 anos. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos”, reflete Eco.

Questionado sobre a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca, o escritor alerta para um possível problema educacional do futuro. “Uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar. Já a internet é incapaz de selecionar o que interessa - é possível encontrar tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos”.

Eco critica também o fato da internet não ajudar em nada na preservação da memória, que, segundo ele, precisa ser exercitada para não atrofiar. “Estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação”, reclama o autor, para quem a cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, que exigem leituras mais rápidas e menos aprofundadas.

Em Não Contem Com o Fim do Livro, Eco e Carrière apontam em exemplos práticos e famosos nos livros de História, como a falta de leitura de alguns líderes influenciou em péssimas decisões. “Se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 90. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno”, lembro o estudioso, ressaltando que conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Do Bahia Notícias

* O livro chega ao Brasil, pela editora Record, na segunda quinzena de abril.

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