quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Um bilhete, várias interpretações

A análise de um bilhete pode dizer muito. Será?
confira abaixo as interpretações de um bilhete, se fosse dos citados abaixo.


Por Gilberto Gil:

Bilhete de Gil à diarista é considerado incompreensível


SALVADOR – “Socorro, por favor deixa um guisadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, Gil.” Escrito na última segunda-feira por Gilberto Gil e endereçado a sua diarista Maria do Socorro, a mesma de Chico Buarque, o bilhete veio à público ontem e imediatamente causou perplexidade em boa parte da crítica brasileira.

Na Folha, o crítico Roberto Kaz julgou que as acrobacias sintáticas da mensagem não desvelam eventuais potencialidades do idioma, antes estariam a serviço de “uma opacidade recherchée, sem substratos magmáticos de sentido.” Kaz dedica boa parte de sua crítica à expressão “deixar um guisadinho para o fim de semana”. Ele pergunta: “Por que diabos o fim de semana gostaria que lhe fosse deixado um guisadinho? Há algo de vagamente místico, para não dizer teleológico, nessa ideia de um sábado que quer guisadinhos, mas exatamente do que estamos falando aqui eu não sei.”

Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu ressaltar o sentimento agônico que se instala no leitor ao cabo da leitura. “O que Gil quer dizer com guisadinho? Será um guisado pequenininho? É de pouca comida que estamos tratando? Intimações da Somália? Ou não é nada disso, e Gil está fazendo um comentário sobre o uso dos hipocorísticos no falar brasileiro, esses diminutivos de carinho que nos acompanham desde “sinhazinha” e “dotôzinho”? Então é crítica social? E se estamos falando de afeto, é afeto por uma abóbora? Gil pornógrafo, leitor de Bataille? É por demais confuso.”

No Globo, Rodrigo Fonseca publicou uma longa coluna sobre “a degradação de uma estética da apatia que decerto bebeu na fonte do primeiro Antonioni, sem conseguir, no entanto, plasmar a vertigem existencial do mestre italiano, cuja lassidão filosófica, na leitura gilberto giliana, se banaliza na superficialidade burguesa de um tédio de sábados e domingos movidos à comida requentada, aos quais, numa tentativa malograda e artificial de pathos, tenta-se acrescentar a palavra Socorro, como se isso bastasse.”

José Ramos Tinhorão se juntou ao coro dos descontentes. Em ensaio publicado na revista Dicta e Contradicta, o crítico lembrou que o conceito de fim de semana nasceu com o capitalismo, e deriva do inglês weekend. “Gil se americanizou.”

A Casa de Rui Barbosa negou a contratação de pesquisadores para estudar o significado da única mensagem deixada por Gilberto Gil na secretária eletrônica do seu personal trainer, Marcão: “É verdade que há dois anos começamos a estudar esse material”, explicou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “Fracassamos.”

O recado diz: “Marcão, estalei uma costela. Melhor desmarcar. Abraços, Gil.”

“Costelas não estalam”, declarou, perplexo, um pesquisador da casa.


Por Chico Buarque:

Bilhete de Chico Buarque à diarista é considerado magistral


LEBLON – “Socorro, por favor deixa um guisadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, Chico.” Escrito na última sexta-feira por Chico Buarque e endereçado à sua diarista Maria do Socorro, o bilhete veio a público ontem e foi imediatamente considerado excepcional por boa parte da crítica brasileira.

Na Folha, o crítico Roberto Kaz ressaltou como a tensão dialética empregada por Chico desnuda as contradições da sociedade brasileira. “Há na mensagem esse magma complexo que nos define – delicadeza e opressão, gentileza e comando, flor e aço. É toda a relação ambígua entre as classes que se dá a ver nestas 15 palavras”, apontou.

Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu ressaltar o sentimento agônico que se instala no leitor ao cabo da leitura. “Terá Socorro deixado o guisadinho? Estamos na estação das abóboras? Nada disso se resolve na leitura, e Chico nos deixa a contemplar a possibilidade do abismo. É uma experiência devastadora”, escreveu.

No Globo, Rodrigo Fonseca publicou uma longa coluna sobre “as vitalidades contraditórias de uma estética que decerto bebe na fonte do primeiro Scorsese, apenas para, em seguida, dar meia volta e se encharcar de perplexidade bergmaniana, sublinhada, com agudez certeira, na pungência visceral da primeira palavra: Socorro.”

José Ramos Tinhorão foi uma das poucas vozes discordantes. Em ensaio nos Cadernos do CEBRAP, o crítico lembrou que a abóbora não é uma espécie nativa, e que Chico, no bilhete, revela a falta de potência criativa do colonizado entregue ao gosto estrangeiro, estranho às suas gentes. “Sabemos, ademais, que abóbora, no Brasil popular, é conhecida por jerimum. O registro erudito de Chico Buarque nada mais é do que um sinal de seu apartamento dos pobres do país. O seu cardápio é o da aristocracia, não o do proletariado. Chico se americanizou.”

A Casa de Rui Barbosa anunciou que concederá, a partir de setembro, duas bolsas de pesquisa para estudantes de doutorado que queiram se dedicar ao estudo dos recados deixados por Chico na secretária eletrônica de seu personal trainer, Marcão. “Há dois anos começamos a estudar esse material”, revelou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “Em dezembro, um dos nossos pesquisadores defenderá uma tese de doutorado em que interpreta, à luz da neurociência, um dos mais famosos recados que Chico deixou para Marcão: ‘Marcão, estalei uma costela. Melhor desmarcar. Abraços, Chico’.”

“A tensão é quase insuportável”, declarou um pesquisador com acesso ao recado

Por João Gilberto

Bilhete de João Gilberto à diarista é considerado revolucionário


Um grupo de semioticistas da UNICAMP estudará a despensa de João Gilberto. "O clique-claque das latinhas de Nescau contra os azulejos produzem uma assombrosa cadência de tercinas em si bemol menor", disse um deles .

BECO DAS GARRAFAS – “Socorro, por favor deixa um guisadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, João.” Escrito na última quarta-feira por João Gilberto e endereçado a sua diarista Maria do Socorro, a mesma de Chico Buarque e Gilberto Gil, o bilhete veio a público ontem e foi imediatamente considerado revolucionário por boa parte da crítica brasileira.

Na Folha, o crítico Roberto Kaz chamou atenção para a métrica sincopada da palavra "abóbora". "Por que João não pediu couve, espinafre ou cenoura? Carninha moída vai bem com macarrão, mas ele não pede macarrão. Por quê?", indagou o crítico, que logo respondeu: "Porque abóbora tem a dupla repetição da letra b, em contratempo, como no refrão da música ‘Bim bom’. Ao ler abóbora em síncopa de quiálteras, há a transfiguração de algo banal num dos mais belos pedidos de comida da história da MPB."

Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu ressaltar o diálogo agônico com a tradição, “essa dialética trágica de reverência e ruptura com nossa herança musical. ‘Guisadinho’ remete a ‘banquinho’, ‘barquinho’ e ‘tardinha’, que João eternizou; mas, sobretudo, remete ao ‘peixinho’ de Vinícius, o animal que, agora, morto e transformado em guisado, está posto diante de nós como cadáver de nossas ambições civilizatórias.”

No Globo, Rodrigo Fonseca publicou uma extensa coluna a respeito da originalidade formal do recado. "João bebeu nas fontes do primeiro Godard. Do contrário, o recado terminaria na palavra ‘semana’, mas João sabe que não há obra sem autor, e então, num gesto estético visceral, ele acrescenta o seu nome ao texto. É uma arriscada experiência de metalinguagem que nada deve à autoreferência vertiginosa de Le Mépris e A Chinesa, aos quais João acrescenta, como Lars Von Trier em Melancolia e Slovat Ker-Shebahb em Ascensão e Queda do Império Otomano, de 1856, a cisão magmática de uma angústia existencial que põe em crise as certezas do espectador, reduzido a repetir, como um cão , a primeira de todas as palavras: Socorro.”

O crítico José Ramos Tinhorão foi dos poucos que não se deixou impressionar. Em ensaio publicado na revista Inteligência, ele estranhou o fato de o recado começar com a palavra Socorro. “A moça se chama Maria do Socorro. João poderia ter dito, ‘Maria’, ou mesmo ‘Maria do Socorro’. Mas não: é ‘Socorro’. Aliás: ‘Socorro, por favor’. Versificado, temos:

Socorro

Por favor

Que nada mais é do que

Help {me},

If ou please

O recado não passa de uma glosa dos Beatles. João se americanizou.”

A Casa de Rui Barbosa confirmou a contratação de pesquisadores para estudar as mensagens deixadas por João Gilberto na secretária eletrônica do seu personal trainer, Marcão. “Há dois anos estamos debruçados sobre esse material”, explicou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “Um dos nossos alunos de doutorado está prestes a publicar um artigo sobre a prosódia de João à luz da telefonia celular. É impressionante como ele altera as quebras rítmicas em função da operadora. O famoso ‘Marcão, estalei uma costela. Melhor desmarcar. Abraços, João’, soa inteiramente diferente quando dito através da Vivo ou TIM.”

“A costela do João estala em quintas invertidas”, declarou um pesquisador da casa com acesso à gravação.


Lobão critica recado de Caetano à diarista


Um grupo de semioticistas da UNICAMP estudará a despensa de Caetano. "Parece que a Paula Lavigne vem uma vez por semana organizar os enlatados", disse um deles.

AMARALINA – “Conformista e conservador”, vaticinou Lobão, assim que tomou conhecimento do bilhete deixado por Caetano Veloso para sua diarista, Maria do Socorro, a mesma de Chico, Gil e João Gilberto. Em iPad deixado na cozinha, Caetano escreveu: “Sossô, por favor deixa um guisadinho de abóbora com carne para o fim de semana. Obrigado, Caetano.”

“Tem coisa mais careta do que guisadinho de abóbora com carne?”, indagou Lobão, para quem o bilhete é uma evidência de como Caetano há muito deixou de ser um artista inquieto. “Nada de novo acontece no mundo dos guisados. Caetano sabe disso. No passado, ele pediria a Socorro uma espuma de lichia sobre cóccix de pato e suspiros de celulose.”

Lobão foi adiante: "Reparem que Caetano não pede sobremesa. Uma atitude burguesa, de quem se preocupa com a silhueta, na contramão absoluta da atitude transgressora e iconoclasta dos Doces Bárbaros – e isso apesar de toda aquela cafonice tropicalista." Em revelação bombástica, Lobão disse possuir provas de que Caetano faz ginástica. “Tenho recados gravados do Caetano para o personal trainer dele”, soltou Lobão, com evidente asco. “O homem se chama Marcão.”

As críticas não pararam por aí. "Também chamo atenção para a arrogância de classe dos recados deixados aos empregados. A MPB subiu no pedestal. Caetano estava ocupado demais para falar com Socorro pessoalmente? Teria medo de ouvir alguma crítica a suas colunas no Globo?"

Lobão concluiu com uma proposta para espalhar receitas de guisadinho em bancas de jornal.

No Leblon, a atriz Luana Piovani foi vista saindo de um supermercado com uma abóbora na mão. “O recado é para mim”, disse.

Na Folha, o crítico Roberto Kaz sustentou que o recado é uma reatualização da Semana de 22. "Abóbora é símbolo do Halloween. Mas Caetano a aproxima do guisadinho, um prato que percorre as camadas mais fundas da cultura nacional. Com isso, sugere um festim antropofágico."

Epaminondas Veras, do Estadão, preferiu destacar o sutil jogo de espelhos proposto pelo texto. "É guisado de carne com abóbora, ou de abóbora com carne? Importa a ordem? Numa vertigem, nos damos conta que o recado de Caetano pode ser o avesso do avesso do avesso. Onde queres abóbora sou carne? Onde queres carne, sou Sossô? Onde sou Sossô, sou Caetano?", perguntou.

No Globo, Caetano usou sua coluna dominical para dizer que o guisadinho nasceu na Bahia. "Nas ladeiras do Pelourinho, no dia 13 de maio, um guisadinho de moranga foi preparado na casa de seu Popó do Maculelê. Andy Warhol plantou batatas em Londres. Lobão tem razão."

No mesmo jornal, o crítico Rodrigo Fonseca se declarou visceralmente atingido pelo recado: “Não se sai impune do guisadinho de Caetano. As águas da incomunicabilidade se agitam em ondas de dor onde os ingredientes caminham num Blow Up contínuo que lhes revele a razão da ausência perpétua que lhes governe. Em síntese: trata-se do Rosebud de Welles, um elemento fantasmático a lembrar, agora, as ruínas da contemporaneidade que Benjamin evocou no filme que jamais dirigiu.”

O crítico José Ramos Tinhorão cerrou fileira com os que não gostaram. Em ensaio publicado na revista Tempo Social, Tinhorão observa que Caetano não faz, no recado, qualquer referência ao jongo da Serrinha. “Caetano se americanizou.”

A Casa de Rui Barbosa anunciou que concederá, a partir de setembro, duas bolsas de pesquisa para estudantes de doutorado que queiram se dedicar ao estudo dos recados deixados por Caetano na secretária eletrônica de seu personal trainer, Marcão. “Há dois anos começamos a estudar esse material”, revelou Wanderley Guilherme dos Santos, presidente da Fundação. “O problema é que a secretária só grava 3 minutos e a fala de Caetano é sempre interrompida no meio. Parece que ele estalou alguma coisa, mas nunca ficamos sabendo o quê ou quem.”

José Celso Martinez anunciou que encenará o bilhete de Caetano. No espetáculo, que durará dois meses, espectadores vestidos de abóbora serão sodomizados por Maria do Socorro.


Da Revista Piauí. Levemente adaptado.

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